Instinto gregário (ou busca por pertencimento social)

Uma das coisas que mais me chama atenção na natureza humana é sua capacidade de ser contraditória. Essa característica, por sua vez, ao mesmo tempo que me encanta também me repugna e, isso, por si só, faz-me lembrar de minha condição humana e, por conseguinte, também contraditória. O filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre nos diz que a nossa natureza consiste justamente em não possuir natureza, isto é, sermos crus, ou, parafraseando o filósofo Mario Sergio Cortella, sermos não prontos e irmos nos construindo. Em suma, construímos nossa própria essência. Entretanto, embora isso muitas vezes pareça óbvio, a realidade é que nem sempre o é.

Instinto gregário (ou busca por pertencimento social)
Imagem: Creative Commons

Spinoza, por exemplo, nos diz que essa ausência de natureza, de essência, da qual Sartre nos fala, é uma mera ilusão. Logo, a máxima de Sartre que diz que estamos condenados a ser livres para Spinoza não passa de uma peça que nossa mente nos prega. Basicamente, para Spinoza, somos tão instintivos quanto qualquer outro animal na natureza, embora nossa consciência nos diga o contrário.

O que tenciono abordar neste texto é, justamente, um desses instintos de nossa natureza humana: o instinto gregário. Mas, o que vem a ser o instinto gregário?

Segundo Nietzsche, o instinto gregário é a tendência que os homens possuem de quererem se juntar, de modo a buscar pertencimento social. Em decorrência disso, consequentemente, esses homens abrem mão de suas características individuais.

“A loucura é rara em indivíduos, mas em grupos, partidos, nações e épocas, é a regra.”
– (Friedrich Nietzsche).

Como tudo o que existe, o instinto gregário não é, por si só, nem bom nem mau. Sem dúvida, as diferentes civilizações humanas devem muito a esse instinto primitivo, uma vez que para existirem dependem dele. O instinto gregário criou o ideal de igualdade entre os homens para tornar a convivência possível, uma vez que a realidade da desigualdade torna a convivência insuportável, isto é, ainda mais injusta do que já é.

O instinto gregário pressupõe ideais de igualdade e a existência desses ideais precisa ser construída. Sendo assim, aqueles que os constroem se elevam e, portanto, se tornam desiguais. Conforme Nietzsche menciona em sua obra A Genealogia da Moral, daí vem a gênese da ideia de rebanho, isto é, as ovelhas – todas iguais – seguem o pastor – que é quem lhes indica o caminho correto a seguir. Daí nascem as relações entre dominantes e dominados.

Kant nos ensinou que toda moral para ser válida deve ser universal, isto é, todo indivíduo diante de determinada ação – moral é sempre ação – deve agir da mesma maneira, de modo que sua conduta possa se tornar regra universal, isto é, seja aplicável a todos que posteriormente possam se ver diante da mesma situação. Entretanto, dependendo das variáveis envolvidas, é impossível atribuir validade universal a determinadas deliberações. Sendo assim, é impossível agir sempre de acordo com o imperativo categórico kantiano.

“Aja apenas segundo a máxima que você gostaria de ver transformada em lei universal.”
– (Immanuel Kant).

O imperativo categórico kantiano, como somente poderia ser, abre mão da individualidade pela universalidade, o que é natural, uma vez que não existe moral individual. A moral está sempre imbricada ao que nos é exterior. Toda moral recorre ao instinto gregário, que é a busca pela manutenção de valores socialmente compartilhados de modo a conservar determinadas características de âmbito coletivo.

Constatamos o instinto gregário com muita frequência e de maneira mais clara ao observarmos diferentes grupos sociais. Por exemplo, há pessoas que se aproximam de outras pelo estilo musical que apreciam; outras pelo estilo de roupas que vestem; outras pelos lugares que frequentam etc. Isso é natural, uma vez que buscamos aquilo que nos é semelhante e nos afastamos daquilo que nos é avesso. Boa parte das pessoas, no entanto, abdicam totalmente de suas características individuais por causa de seu instinto gregário e, a partir do momento que isso acontece, esse instinto se torna nocivo, seja ele direcionado a qualquer esfera da existência.

A publicidade conhece o instinto gregário como ninguém. Sua função é justamente trabalhar em cima dele, isto é, buscar o engajamento coletivo, a fidelidade daqueles a quem se direciona. Não é à toa que grandes corporações destinam bilhões à publicidade de suas marcas todos os anos, pagam vultosas quantias a celebridades para simplesmente serem clicadas com seus produtos ou utilizando seus serviços. Basicamente, como diz o dito popular: “a propaganda é a alma do negócio”.

A maioria das pessoas buscam amarras, cabrestos para se prenderem, ainda que inconsciente e ingenuamente, buscam desesperadamente ser fiéis a coisas que, simbolicamente, deem significado através do pertencimento às suas existências narcísicas. Em suma, cada vez mais as coisas nos pertencem menos e pertencemos mais a elas e, em vez de atribuirmos valores a elas, atribuímos nosso próprio valor através delas.


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