Dom Casmurro: Gato de Schrödinger Literário

Nunca estamos definitivamente certos, só podemos ter certeza de estarmos errados.1

Este ensaio consiste em uma interpretação da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, e, de antemão, vale ressaltar que de modo algum pretende ser uma interpretação ampla ou generalista da obra, por entender que, como o clássico que é, esta obra nunca esgota o que tem a dizer.

Este ensaio consiste, isto sim, em uma tentativa de argumentação de que a obra Dom Casmurro possui como principal objetivo estabelecer interdisciplinaridade da literatura com a matemática – mais especificamente, com os subcampos estatística e probabilidade desta última disciplina, por interpretar que, com essa obra, seu autor buscou retratar, antes de tudo, a natureza probabilística dos eventos do universo e, por isso, criou uma obra aberta para que seu leitor, enquanto observador, se apropriasse dela e a interpretasse de acordo com sua subjetividade.

Por fim, faz-se plausível salientar que, embora, conforme já mencionado, este ensaio possua como escopo uma interpretação restrita e interdisciplinar de Dom Casmurro, ele também defenderá que essa interpretação restrita é a principal intenção de Machado de Assis com esta obra.

AS TRÊS PARTES (OU PORTAS) PARA RESPONDER A CLÁSSICA PERGUNTA:
“CAPITU TRAIU BENTINHO?”

Ao julgar probabilidades, as pessoas se apegam mais à vivacidade de sua imaginação em lugar de raciocinarem conforme as leis.2

As três partes – ou portas – são: 1. O viés do autor por trás do narrador – o que o autor nos induz a acreditar; 2. O viés do narrador – o que Bentinho nos induz a acreditar; e 3. O conjunto da obra – a união dos dois vieses anteriores.

O primeiro caso é o que acho – logo, nesta primeira parte responderei a pergunta de uma maneira mais restrita e íntima, isto é, a minha interpretação enquanto ente subjetivo. O segundo caso é o que acredito ser a leitura mais inocente e desprovida de fruição, mas, é claro, também possível e bastante plausível – logo, também provável. O terceiro caso é o que acredito ser a intenção da obra – ou, talvez, a real intenção do autor subjacente à obra.

Em todos os três casos, não esqueçamos: trata-se de probabilidades. 1 e 2 se excluem mutuamente; 3, paradoxalmente, consiste na união de 1 e 2.

01. VIÉS DO AUTOR

Acredito que Capitu não traiu Bentinho – mas também não sou tão inocente, pois sei que o autor que não se mostra (o titereiro, o programador, o escritor, o demiurgo, o deus) por trás de Bentinho me induz o tempo todo a desconfiar dele como sendo um narrador não confiável. E o melhor disso é que me parece que ele, Machado, ao fazer isso, presume que seu leitor de fato não seja inocente, porque essa presunção me parece uma importante chave para a fruição da obra.

Bentinho idealizava Capitu. Projetava suas fantasias nela. E parte dessas projeções tinham cunho erótico. Ele a desejava. E nunca deixou de desejá-la porque, na mente distorcida dele, ele nunca a possuíra. E desejo é, antes de tudo, vontade de posse. E por isso ela era a obsessão da vida dele. Isso porque ele tinha convicção de que ela era muito para ele.

O amor – ou seja lá o que no fundo realmente era – que ele sentia por ela era Eros. Ou seja, apenas paixão – recapitulando aqui o sentido etimológico do termo, “paixão” deriva de páthos, que quer dizer “doença”. E a paixão é um desejo, e como todo desejo, é cega – o dilema de Bentinho com relação ao seminário me parece que evidencia bastante isso (dado que ele não conseguia abdicar do mundo para se dedicar à contemplação). Por conta dessa paixão, Bentinho não conseguia ver a mulher além da idealização que ele edificara.

Capitu é, na visão de Bentinho, sempre uma mulher bastante sexualizada, que era misteriosa, dissimulada. E é importante destacar que apenas “vemos” Capitu através dos “olhos” de Bentinho. Quando ele narra as interações dela com outras pessoas, ela parece destoar disso. Ele era um animal amedrontado, paranoico, complexado, fraco – aliás, essa, ou algo próximo disso, deveria ser a definição dicionarizada da palavra “humano” – e que achava que Capitu era, conforme já mencionado, muito para ele. E no fundo Bentinho nunca conseguiu aceitar o amor que ela o oferecera. Não quis ver o ser humano complexo, cheio de defeitos e inseguranças que ela certamente – como todos os humanos – era e a tratou apenas como uma criatura sexualizada.

Fazendo uma metáfora sintática aqui: Bentinho não conseguiu identificar Capitu enquanto sujeito; apenas enquanto objeto. E ao colocar na cabeça que o filho que tiveram era parecido com Escobar – uma paranoia que ela própria incutiu nele (provavelmente de maneira inocente, sem cogitar as implicações que tal comentário desencadearia) –, ele sabotou de maneira definitiva a relação que tinha com ela – e de maneira definitiva porque, na verdade, essa relação foi sempre, e desde o início, uma sucessão de autossabotagens da parte dele.

02. VIÉS DO NARRADOR

Bentinho sempre foi um bom sujeito. Bom filho, bom amigo, e por aí vai… Seu amor por Capitu era intenso, duradouro e, também – já que florescera ainda na infância –, inocente. Uma relação pura.

Bentinho não se via como um homem perfeito. E ele dá – pelo menos consideráveis – indícios disso. Além disso, era sempre amistoso, cordial e devoto ao seu amor por Capitu e por sua mãe – no caso desta última, inclusive, demonstra-o ao ir para o seminário mesmo a contragosto para cumprir uma promessa que não era dele (isso me remeteu um pouco ao sacrifício de Jesus ao ser crucificado pela humanidade).

Já Capitu não é tão – ou mesmo nada – confiável. Ousada, ambígua, dissimulada e, sobretudo, mulher – tal como nas mitologias grega e judaico-cristã, a tentação que induz o homem ao erro, ao pecado. Sendo Capitu tão ousada e dissimulada, é bem possível que tenha mencionado propositadamente a semelhança da criança com Escobar como uma espécie de fetiche, em mais um deboche da cara do paspalhão cego do Bentinho, na confiança de que, como sempre, ele se negaria a enxergar a verdadeira Capitu. Afinal, se Capitu não o traiu, por que não falou nada? Por que não se defendeu? Não se defendeu porque culpada, infiel – e, nesse caso, por se tratar de uma traição, Bentinho se torna um mártir ainda maior, porque fora traído duas vezes: pela mulher e pelo melhor amigo.

Bentinho era um homem comedido. Por que não confiar nele? Não jogaria uma história tão intensa e duradoura de amor fora por uma suspeita infundada. Não seria tão estúpido. O fato de ter resistido à tentação de matar a criança denota a lucidez dele. Não estava cego. Tinha, sim, discernimento. Embora ele até chegue a demonstrar uma certa dúvida em algum momento, a convicção da traição predomina. Logo, acreditar que Capitu não o traiu, sob essa perspectiva, é estupidez. Está tudo ali, na cara. Não admitir é assumir o papel de corno que é o último a saber porque não quer ver. Plausível? Provável?

Conforme mencionado, o primeiro caso me parece mais plausível e, logo, também mais provável, mas me parece que sim também, é sim plausível e provável, embora – intuitivamente – menos, que ela o tenha traído – mas isso não significa muita coisa, tendo em vista que o fato de eu me inclinar mais a concordar com o primeiro caso do que com o segundo diz mais sobre mim, sobre a minha realidade subjetiva, do que sobre a realidade objetiva, a verdade. E, bem… Como essa realidade não é a minha, mas a de Bentinho, e ele – embora titubeie e conserve alguma incerteza – conclui que, sim, ela o traiu, e ninguém – pelo menos na narrativa dele – o contradiz, é plausível, e mais seguro – portanto, sob essa perspectiva, também mais provável –, concluir que a realidade subjetiva dele seja a mais próxima da verdade, pois é a vida dele ali.

Afinal, não será arrogante da parte do leitor presumir que Bentinho, que é quem experienciou tudo o que narra, está errado e ele correto?

03. VIÉS DA OBRA

Aqui eu proponho um experimento mental. Para adentrar o experimento, peço que nos ponhamos na pele de Ana,3 uma leitora da obra Dom Casmurro, que adoraria escutar do próprio Machado de Assis a resposta para a pergunta: Capitu traiu Bentinho?

O experimento mental: Capitu traiu ou não traiu Bentinho?

É científico dizer o que é mais e menos provável, não ficar provando todo o tempo o que é possível ou impossível.4

Imagine que você, Ana, encontre uma Ponte Einstein-Rosen – um buraco de minhoca – que a leve para qualquer ponto no espaço-tempo. Imagine ainda que você queira realmente muito escutar a resposta do próprio Machado de Assis a essa pergunta e, para isso, você passa a pesquisar a biografia dele com a intenção de achar um momento oportuno para bater um papo.

Além da fenda espaço-temporal, imagine que você, nessa sua pesquisa, consegue descobrir que Machado conservou durante anos o hábito de frequentar, todos os dias da semana, sempre mais ou menos no mesmo horário, um café qualquer em um lugar qualquer.

Assim, você decide ir a esse café encontrá-lo para sanar a sua dúvida e escolhe, despretensiosamente, o ano de 1904 – um ano antes de Einstein publicar seu artigo sobre o Efeito Fotoelétrico que deu realmente início às descobertas da mecânica quântica, que gerou paradigmas como o Princípio da Incerteza, A Interpretação de Copenhague, o experimento mental do Gato de Schrödinger, a Dualidade Onda-Partícula etc. (mais à frente você vai, se já não entendeu, entender por que estou destacando isso).

Chegando ao café, você sente que Machado percebeu sua presença ali – mas você não dá muita bola, porque o lugar está praticamente vazio. Aí você toma coragem, aproxima-se e diz algo como:

“Oi. O senhor pode me dar um momento de atenção?”

Ao que ele responde:

“Oi. Quanto tempo! Posso, sim. Claro. O que você deseja? Sente-se comigo, por favor.”

Você fica com a pulga atrás da orelha. Afinal, você o conhece, mas ele não a conhece. E nem tem como – afinal, você nasceu quase cem anos após a morte dele. Mas sabendo que esse é um hábito que ele gosta de cultivar, você prefere deixar isso para lá e vai logo ao assunto e pergunta:

“Capitu traiu ou não traiu Bentinho?”

“Primeiro me diga o que você acha.” – Diz ele.

Você não gosta muito disso, não obstante, mesmo com receio, prefere compartilhar com ele – afinal, ele é um gigante, e, bem, mesmo podendo ir para qualquer ponto no espaço-tempo você escolheu esse ponto, então isso significa que se trata de algo realmente importante para você.

Você responde que não e, basicamente, suponhamos, reproduz o que expus no item 1 – ou alguma outra coisa qualquer para justificar por que você acha que não. E então você o cobra:

“Agora você me deve a resposta.”

Machado então diz:

“Não tenho nada a acrescentar. Você é muito perspicaz, pois é exatamente isso.”

No calor do momento, e diante do gigante que ele é, você até fica um pouco decepcionada, mas também desnorteada e sem ação, e, assim, aceita a resposta e volta para a sua vida. No entanto, aquela resposta de Machado não a convenceu, de modo que você fica martelando na sua cabeça:

“Será que fui vítima da ironia machadiana? Será que ele só disse o que eu queria escutar para se livrar logo de mim e tomar o café dele em paz?”

Como encontrou um buraco de minhoca que a leva para qualquer ponto no espaçotempo, você tem um estalo:

“Já sei. Vou voltar para 1903 e, agora, como ele ainda não me conhece – e aí você entende o porquê que, ao vê-lo pela primeira vez, ele exclamou ‘Quanto tempo!’ para você –, se ele me devolver a pergunta antes de a responder, responderei o contrário para ver o que ele me diz. Se isso acontecer, o que será que ele vai me dizer na primeira vez que nos encontrarmos na linha do tempo dele?”

Não resistindo à curiosidade – como mulher que é, repetindo Pandora e Eva –, você volta a 1903.

Desta vez, ao chegar, você sente que Machado – ao contrário da (sua) primeira vez – não parece perceber a sua presença. Você então respira fundo e se aproxima para abordá-lo. Dessa vez ele realmente parece não ter percebido sua presença.

Educadamente, ele pergunta o seu nome e depois se apresenta. Entretanto, ao contrário da primeira vez, você não é convidada para se sentar. Machado se restringe apenas a perguntar o que você deseja. E aí você repete a pergunta. E ele, de novo, responde:

“Primeiro me diga o que você acha.”

Aí você pensa e – finalmente – a sua ficha cai:

“Mas na primeira vez que o encontrei e perguntei – e que na verdade era a segunda vez dele –, ele fez a mesma coisa. Tentando pegá-lo agora, ele já tinha me pego na – minha – primeira vez.”

E isso, de certa forma, aguça ainda mais a sua curiosidade. E percebendo que ele está olhando para você e esperando sua resposta, você decide seguir em frente com o plano e responde:

“Acho que sim, que Capitu traiu Bentinho.” E justifica com o item 2 – ou qualquer outra justificativa que julgue plausível para sustentar a sua visão.

Depois que você termina de falar, ele repete tudo o que disse antes – que na verdade é, para ele e cronologicamente, depois:

“Não tenho nada a acrescentar. Você é muito perspicaz, pois é exatamente isso.”

Aí você abre o jogo com ele. Diz que voltou no tempo apenas para saber a verdadeira resposta para essa questão e confessa estar triste por ele a estar sacaneando ao dizer apenas o que você quer escutar.

Ao abrir o jogo com ele e falar sobre o quanto essa resposta é importante para você, você finalmente ganha – e agora de verdade – a atenção de Machado. Sinal disso é que ele nem quer mais se livrar de você e a convida para se sentar. Depois de perceber que você se acomodou, ele começa:

Com a palavra, Machado de Assis

O mundo […] nos aparece como um complexo tecido de fenômenos, no qual conexões de tipos diversos alternam-se ou se sobrepõem ou combinam-se e, em consequência, determinam a tessitura do todo.5

“Na verdade, Ana, eu não a sacaneei em momento algum. Nem agora, nem depois – ou, no seu caso: nem agora, nem antes. A resposta é realmente esta: independentemente de ser sim ou não, a resposta correta é a que você dá. Por quê? Explico.

Dom Casmurro que você leu não é uma obra minha. Eu sou apenas o autor. E, como autor, eu a projetei como um presente sob medida para cada um de seus leitores. Portanto, a grande pergunta dessa obra possui três respostas: sim, não e sim e não. Sendo assim, Dom Casmurro que você leu é a obra da Ana e somente da Ana. E, sendo sua, a resposta à pergunta se Capitu traiu ou não Bentinho é também somente sua.

Eu dei, explicitamente, duas chaves para explorar a obra por meio da seguinte opção: você pode ser influenciada pelo viés do autor que permeia a obra e não confiar em Bentinho ou pode não se influenciar suficientemente pelo viés do autor que permeia a obra e confiar em Bentinho.

O simples fato de você vir até mim demonstra que você se apropriou, ao menos em alguma medida, do aspecto mais importante da obra: você conservou uma dose de incerteza. Ou seja, não confiou cegamente nem no julgamento a que foi induzida pelo viés do autor e tampouco no que foi induzida por Bentinho. E, no fim das contas, este é o cerne dessa obra: incerteza. Nesse sentido, projetei Dom Casmurro para estar em consonância com o primeiro passo da construção cartesiana: Dubito ergo cogito.

Se você conserva alguma incerteza, então você aceitou o meu presente, e, se o aceitou, você é digna das duas chaves. Use uma ou as duas. Ah… Eu lhe dei apenas duas chaves, mas há, na verdade, três portas para serem exploradas. É… há algo – pasmem! – de inexato – ou de incompleto – nessa matemática, mas… É isso mesmo!

Qualquer uma das chaves que você usar na terceira porta vai abri-la. Essa é a porta da soma das probabilidades: do sim e do não. Então isso significa que nessa terceira porta você pode interpretar a questão como quiser? Bem… Depende do que você entende por ‘quiser’.

Se você entende ‘quiser’ como curvar o mundo à sua interpretação de acordo com o que você é induzida, por aspectos que transcendem suas inclinações, então sim. Se você entende ‘quiser’ como liberdade para moldar o mundo de acordo com a sua vontade, então não.

Lembremo-nos de Schopenhauer: você não é livre para querer o que quer. Você curvar o mundo a você não lhe garante que ele de fato se curvará a você. E a questão do livro, Ana, não é sobre a realidade objetiva do mundo, é sobre como você curva o mundo ao que quer – na primeira acepção do termo mencionada acima – que ele seja. Essa questão é um espelho no qual você conhece um pouquinho sobre você mesma; não sobre o mundo. Lembremo-nos do conselho – com frequência atribuído a Sócrates – do Oráculo de Delfos – mas que, no fundo, ninguém sabe de quem realmente é –: ‘Conhece-te a ti mesmo.’

Será que, no fim das contas, você escolhe a porta pela qual quer entrar ou a porta escolhe você ou, ainda, acontece as duas coisas? Em outras palavras: suas experiências de vida, suas leituras, sua sensibilidade e sofisticação – ou não (e seja lá o que essas duas últimas signifiquem no fim das contas) – intelectual influenciam a sua resposta?

De maneira mais profunda: as circunstâncias que são as suas para responder como responde se impõem a você ou você se impõe a elas ou, ainda, será que você se impõe apesar delas?

Mais que isso: a combinação das variáveis que a levam a sua resposta é, em última análise, controlada por algo – ou alguém – ou será a contingência cega em ação?”

Dom Casmurro: gato de Schrödinger com 35 anos de antecipação

Basicamente, Machado antecipou, literariamente, uma compreensão sobre o universo que os físicos só vieram a assimilar algumas décadas depois: grosso modo, como resumiu Niels Bohr: “Tudo aquilo que chamamos de real é feito de coisas que não podem ser consideradas reais.”6

Para nós, seres macroscópicos e acostumados a uma cosmovisão newtoniana – linear e que, como tal, apenas reafirma nossa cosmovisão psicológica –, o mundo parece contínuo e governado por leis de causa e efeito.

No mundo do muito pequeno, que compõe o mundo macroscópico, as coisas são bem diferentes e menos intuitivas – ou mesmo contraintuitivas, pois fragmentadas (aliás, quantum, em física, é uma palavra que faz referência justamente à ideia de “pacote”, no sentido de “fragmentação”, “descontinuidade”; não simplesmente “quantidade”). O universo determinístico de causa e efeito cede lugar a um universo de probabilidades. Ou, na linguagem da teoria literária: a linearidade cede lugar à simultaneidade.

A arrogância de uma parcela significativa de físicos de que podiam explicar a realidade cedeu lugar a uma postura mais humilde – ou menos arrogante. E essa postura, por sua vez, pode ser compreendida por meio de uma sucinta e brilhante reflexão realizada por Werner Heisenberg: “[…] temos que nos lembrar que aquilo que observamos não é a Natureza em si, mas, sim, a Natureza exposta ao nosso método de questionar.”7

Parece-me que esta frase de Marcelo Gleiser é bem instrutiva nesse sentido:

[…] a física é a arte das aproximações. Você nunca descreve uma coisa como ela realmente é. Você a descreve de uma forma simplificada, de modo a poder construir um modelo matemático do comportamento dessa coisa, que possa […] prever aproximadamente o comportamento dessa coisa.8

Essa postura, que vinha ganhando contornos já desde o fim do século XIX, começou a se consolidar com o advento da teoria quântica no início do século XX com Max Planck e Albert Einstein, e se intensificou ainda mais após a formulação do Princípio da Incerteza – ou da Indeterminação – realizada pelo mesmo Heisenberg, mencionado acima, em 1927.

Segundo esse princípio, por mais sofisticado que seja o instrumento de medição – lembre-se: a física é, antes de tudo, a ciência de medição das propriedades da natureza (logo, toda a física é uma ciência quantitativa) –, o observador jamais conseguirá medir posição e velocidade com precisão ao mesmo tempo de uma partícula/onda.

Assim, ao medir uma propriedade – velocidade ou posição –, o observador não consegue, necessariamente, medir a outra propriedade com precisão, o que insere uma parcela de incerteza – daí o nome do princípio – sobre o que está sendo medido. O que se pode fazer é medi-lo aproximadamente por meio da soma de suas probabilidades – a soma das histórias (ou das múltiplas histórias, conforme Richard Feynman sistematizou mais tarde). E isso tem inúmeras implicações filosóficas sobre nossa compreensão física do universo. Sobre o Princípio da Incerteza de Heisenberg, inúmeras tentativas foram e continuam sendo feitas para derrubá-lo, mas ele segue, ao menos por ora, inabalável.

Esse mundo probabilístico, hoje tão importante em indústrias inteiras, como a da tecnologia da informação, incomodou – e ainda incomoda – muita gente. Entre esses incomodados, estavam Einstein e Schrödinger – mesmo esses dois tendo sido pioneiros importantes para consolidar a mecânica quântica enquanto campo do conhecimento (inclusive, o Princípio da Incerteza foi descoberto a partir da Equação de Onda do próprio Schrödinger).

Embora preciso, e por isso se tornou uma espécie de símbolo da mecânica quântica, o problema conhecido como Gato de Schrödinger foi um experimento mental proposto pelo físico que lhe dá nome em 1935 para demonstrar o quão absurda é a mecânica quântica e, por isso, indigna de ser levada a sério – mas ele, mais tarde, acabou percebendo que, embora contraintuitiva, pois intuitivamente absurda, ela se impõe, e acabou a abraçando, ao contrário de Einstein, que, embora reconhecesse sua importância, nunca a aceitou muito bem (Einstein, no lugar de Ana, provavelmente diria a Machado algo como: “Tenho dificuldade para aceitar as implicações das suas respostas opostas em 1903 e 1904, Machado. A realidade se impõe acima de nossas percepções.” Daí a famigerada frase dele: “Deus não joga dados”, a que Bohr respondeu – e me parece que Machado provavelmente o acompanharia –: “Einstein, pare de dizer a Deus o que fazer”). Sobre essa questão, Stephen Hawking escreveu: “[…] deus é um tremendo apostador. O universo é como um cassino gigante com os dados rolando ou a roleta girando a todo momento.”9

Em suma, a questão “Capitu traiu ou não Bentinho?” é um Gato de Schrödinger 35 anos antecipado. Machado entendeu, intuitivamente, o que os físicos levariam mais algumas décadas para entender e, principalmente, aceitar. E o Gato de Schrödinger fala sobre a matemática subjacente a essa nova física.

A mecânica quântica é norteada por probabilidades: estatísticas baseadas em padrões. Basicamente, o mesmo tipo de matemática usada em ciência de dados e que os algoritmos usam para manipular nossos comportamentos e hábitos de consumo com essas pequenas calculadoras que carregamos em nossos bolsos – sobre isso, recomendo reler a citação anterior de Marcelo Gleiser, pois ela se aplica igualmente à predição algorítmica alicerçada em ciência de dados, apenas substitua “física” por “predição algorítmica” e “coisa” por “pessoa” – vale ressaltar também: claro, as variáveis envolvidas em cada tipo de caso são distintas em suas complexidades e de acordo com suas respectivas peculiaridades.

Assim, proponho que façamos uma analogia entre o famigerado experimento mental do gato e a obra Dom Casmurro. Abaixo, a descrição do experimento mental do gato.

O gato de Schrödinger

Com a palavra o físico teórico Michio Kaku – optei pela descrição dele por considerá-la bastante didática:

Coloque o gato numa caixa selada, com um frasco de gás venenoso. Dentro da caixa, há um pouco de urânio. O átomo de urânio é instável e emite partículas que podem ser detectadas por um contador Geiger. O contador aciona um martelo, que cai e quebra o vidro, liberando o gás, que pode matar o gato. Como se descreve o gato? Um físico quântico diria que o átomo de urânio é descrito por uma onda, que tanto pode decair como não decair. Portanto, é preciso adicionar essas duas ondas juntas. Se o urânio decair, o gato morre, e isso é descrito por uma onda. Se o urânio não decair, então o gato vive, o que também é descrito por uma onda. Para descrever o gato, então, é preciso somar a onda do gato morto com a onda do gato vivo. Esse é o xis do problema, que vem reverberando pelo mundo da física por quase um século.10

A analogia entre Dom Casmurro e o experimento do gato

Dando início à analogia: a caixa selada equivale à obra. O frasco de gás venenoso é a nossa questão esperando nossa leitura para vir à tona. O martelo é a nossa leitura, que aciona a questão: Capitu traiu ou não traiu Bentinho? – que equivale, portanto, ao átomo de urânio. A narrativa de Bentinho equivale à onda – se não confiarmos em Bentinho, por meio dos indícios que ele manifesta de ser paranoico (viés do autor), é possível concluir que Capitu não o traiu; se o assumirmos como narrador confiável, ou pelo menos o mais crível que podemos ter (viés do narrador), podemos concluir que Capitu o traiu (essas probabilidades equivalem ao decaimento ou não da onda). E, por fim, o estado do gato – que consiste no resultado da soma das probabilidades (a soma das histórias ou as múltiplas histórias) – equivale à resposta à nossa questão. E essa resposta é inferida pelo observador – no caso da obra, o leitor, com toda a sua bagagem. E assim como o comportamento da onda, que não escolhe como se comportará, pois está sujeita às variáveis probabilísticas que a compõem, é a resposta do leitor: logo, em decorrência das variáveis que nos compõem – experiências de vida, leituras, inclinações etc. –, respondemos a questão de uma forma ou de outra. E ambas falam mais sobre nossos métodos de observação sobre o mundo – e consequentemente sobre nós mesmos – do que sobre o mundo em si. E tudo isso, em última análise, são variáveis matemáticas, ou, mais especificamente, estatísticas alicerçadas em probabilidades.

E é isso o que os algoritmos fazem conosco hoje em dia: com base em padrões estatísticos, preveem nossos comportamentos e inclinações com mais acurácia do que nós mesmos temos consciência destes. Por exemplo, quando você dá – supondo aqui que você dê, é claro – acesso à câmera de seu gadget a certos aplicativos, é possível mapear – e fazem isso por meio de IAs – os movimentos e os padrões geométricos dos seus olhos – não apenas dos olhos, mas fiquemos, para manter o exemplo mais simples, apenas nos olhos.

Quando sua pupila dilata com uma imagem – foto ou vídeo – de uma pessoa, por exemplo, esse é um sinal inconsciente que o seu corpo manifesta – e, portanto, do qual você não possui domínio consciente – de que você acha essa pessoa atraente, ou, de repente, que você tem medo dessa pessoa – entre outras possibilidades (mas, de novo, para não complicar o exemplo, fiquemos apenas com essas duas). Essa imagem dessa pessoa possui metadados contextuais – também coletados por IAs de reconhecimento de padrões, em seguida traduzidos e posteriormente inseridos em bases de dados específicas.

Cruzando esses metadados contextuais da imagem com os padrões mapeados da sua pupila dilatada, é possível inferir estatisticamente, por meio de variáveis algorítmicas, com acurácia matemática, o que o seu corpo manifestou: atraente ou medo.

Para a publicidade direcionada essa informação é muito valiosa, pois, no primeiro caso, mais conteúdos relacionados a essa pessoa lhe serão direcionados e você – não necessariamente, mas provavelmente – tenderá a usar mais o serviço em questão e, como consequência, também vai gerar mais lucros junto aos anunciantes; no segundo caso, ocorre o contrário.

A lógica por trás disso é, basicamente, como sintetiza Ray Kurzweil – inventor e ex-engenheiro-chefe da Google –, esta: “Embora uma única regra probabilística […] não seja suficiente em si mesma para uma conclusão útil, ao combinar milhares dessas regras, as evidências podem ser postas em ordem e combinadas para que se tomem decisões confiáveis.”11

Tudo isso sintetiza o que faz a ciência de dados. Em outras palavras, a ciência de dados consiste em ordenar e combinar dados, e, em seguida, transformá-los em informação. Para chegar a transformar dados em informação, a ciência de dados, por sua vez, alicerça-se em três pilares: seleção, junção e projeção.

Perceba: o seu smartphone – e o de todo mundo – faz exatamente isso o tempo todo com você, pois é calibrado calculadamente, sob medida, para você, e quanto mais input você fornece, mais acurada é essa calibragem.

Ray Kurzweil sintetiza uma compreensão que os tecnólogos alcançaram e na qual se pautam bastante: “A tomada de decisões humana em geral é influenciada pela combinação de muitas experiências anteriores, nenhuma definitiva por si mesma. Muitas vezes nem percebemos conscientemente muitas das regras que usamos.”12 De certa forma, parece-me que Machado sabia disso, ao menos em alguma medida, e fez exatamente o mesmo com Dom Casmurro.

E Deus?

Essas leis [da ciência] podem ou não ter sido determinadas por deus, mas ele não pode intervir para infringi-las, pois então elas não seriam leis. Isso dá a deus a liberdade de escolher o estado inicial do universo, mas mesmo aí parece que deve haver leis. Assim deus não teria liberdade alguma.13

Em última análise, é possível pensar: considerando que há um Deus por trás das leis físicas, Ele detém a resposta certa para a posição/velocidade de qualquer partícula/onda que possa ser medida, de modo que a incerteza levantada pelo princípio de Heisenberg não se aplica a Ele. Nesse caso, podemos equiparar, no âmbito de nossa analogia, Machado a Deus, pois, como Este está por trás das leis físicas, aquele também está por trás da obra.

Logo, tal como Deus, Machado deveria ter nossa resposta. Na verdade, segundo a mecânica quântica, Deus não é onisciente. De acordo com o Princípio da Incerteza, nem mesmo Ele pode saber com precisão a posição e a velocidade de uma partícula/onda subatômica.

Logo, as leis da física se imporiam também a Deus e, sendo assim, Ele também não seria onipotente – isso, é claro, é bastante controverso, pois sendo Deus um ente metafísico, talvez seja leviano submetê-lo às leis da física, tendo em vista que o plano metafísico, por definição, transcende a estas (mas não entrarei neste tópico porque já foge do escopo da nossa questão e, além disso, consiste em uma aporia).

Considerando que meu experimento mental anterior reflita a postura que Machado de fato teria diante da questão de seu livro, ele, de novo, estaria em consonância com as implicações da mecânica quântica, isto é, não adotaria a postura de autor onisciente diante de sua obra – no caso dele, talvez por reconhecer que a obra é maior que ele (o que, vale lembrar, também está em consonância com a tríade obra/autor/leitor da teoria literária, que afirma ser a obra maior que o autor e o leitor, o autor maior que a obra e o leitor e, por fim, o leitor maior que a obra e o autor).

Claro, não estou afirmando que Machado necessariamente pensava assim. Longe disso. Todavia, dito isso, parece-me que, sim, de certa forma, Machado denota estar bastante imbuído do incipiente – não obstante já bastante forte – espírito de época – ou Zeitgeist, de acordo com a concepção hegeliana – que estava sendo erigido quando a obra foi concebida.

Referências de apoio utilizadas:

  1. FEYNMAN, R. Em busca de novas leis. In: FEYNMAN, R. As leis da física. Tradução de Marcel Novaes e revisão técnica Nelson Studart. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. p. 164.
  2. PINKER, S. A Nova Paz. In: PINKER, S. Os anjos bons da nossa natureza: por que a violência diminuiu. Tradução de Bernardo Joffily e Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. pos. 9269.
  3. Optei por este nome por ser um palíndromo e, ademais, um nome relativamente comum.
  4. FEYNMAN, R. Em busca de novas leis. In: FEYNMAN, R. As leis da física. Tradução de Marcel Novaes e revisão técnica Nelson Studart. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. p. 172.
  5. HEISENBERG, W. A relação entre a teoria quântica e outros ramos da ciência natural. In: HEISENBERG, W. Física e Filosofia. Tradução de Jorge Leal Pereira. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 153.
  6. BAKER, J. Saltos quânticos (a ideia condensada: escada energética de elétrons). In: BAKER, J. 50 ideias de física quântica que você precisa conhecer. Tradução de Rafael Garcia. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2015. p. 40.
  7. HEISENBERG, W. A interpretação de Copenhague da teoria quântica. In: HEISENBERG, W. Física e Filosofia. Tradução de Jorge Leal Pereira. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 85.
  8. ENTROPIA e a direção do tempo: física para poetas #10. Produção de Breno Teixeira, Emerson Rocha, Mayumi Liz. [S.I.]: Marcelo Gleiser, 2020. (57 min.), son., color. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uq8HBWC_qA4. Acesso em: 14 out. 2021. A citação aqui utilizada inicia a partir dos 12 minutos e 37 segundos do vídeo.
  9. HAWKING, S. Como tudo começou?. In: HAWKING, S. Breves respostas para grandes questões. Tradução de Cássio de Arantes Leite e revisão técnica de Amâncio Friaça. 1. ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018. pos. 679.
  10. KAKU, M. Apêndice: consciência quântica?. In: KAKU, M. O futuro da mente: a busca científica para entender, aprimorar e potencializar a mente. Tradução de Angela Lobo. 1. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.
  11. KURZWEIL, R. O jogo de ferramentas da IA. In: KURZWEIL, R. A singularidade está próxima: Quando os humanos transcendem a biologia. Tradução de Ana Goldberger. São Paulo: Fundação Itaú Cultural: Editora Iluminuras, 2018. pos. 5775.
  12. Ibidem, pos. 5746.
  13. HAWKING, S. Deus Existe?. In: HAWKING, S. Breves respostas para grandes questões. Tradução de Cássio de Arantes Leite e revisão técnica de Amâncio Friaça. 1. ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018. pos. 463.

Monólogo do Copo

Partículas subatômicas unidas por forças intramoleculares e átomos unidos por forças intermoleculares.
Sou átomos, moléculas: sou química.
Sou matéria, energia, tempo e espaço: sou física.
Sou múltiplos!
Certamente já estive muitas coisas e certamente ainda o estarei.
Na combinação em que me encontro, não estou biologia. Não estou “sujeito”, estou apenas “objeto”.
Estou único!
Paradoxalmente, estou igual e diferente de meus pares.
Mas, afinal, que diferença isso faz?
Sou apenas um copo. Não tenho linguagem e tampouco consciência.
Bem… Agora talvez você esteja pensando: bobinho! Se você não tivesse linguagem e consciência não estaria falando para mim.
Se esse for o caso, admito: você tem razão.


Ah… A razão! Tão sensata e tão estúpida!


Um paradoxo! Ou melhor: mais um paradoxo!
Parece que eles estão em toda a parte, não é mesmo?
Algo em mim pensa, pois não sou senhor em minha própria casa.
Sei que já disseram isso. Mas não me importo.
No final das contas, talvez tudo não passe de um emaranhado de tautologias enfadonhas.
Não tenho controle de nada. Não decido se estou cheio ou vazio.
Não tenho escolhas. Estou apenas um objeto.
Há quem defenda que sequer existo se não houver um sujeito que me observe.
Mas eu sei que existo!


Ei, EU ESTOU AQUI!


Penso, logo existo!
Ops… Mas eu não penso, algo em mim pensa.
Então isso significa que dependo da observação de um sujeito, como você, para existir?
Será que você, sujeito, é menos objeto que eu?
Ou será a sua consciência apenas um acidente evolutivo que lhe permite experimentar a sensação, ainda que ilusória, de ser mais livre do que eu?
Ah… Isso não faz sentido!
Mas será que, no final das contas, algo faz?

A perda da sensibilidade

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Imagem: Creative Commons

Impossível falar da perda da sensibilidade sem recorrer ao pensamento do recém-falecido sociólogo Zygmunt Bauman, que com sua sempre aguçada sensibilidade a sintetizou magistralmente em seu conceito de liquidez, abordando diversas esferas da vida coletiva humana. É óbvio que Bauman não foi o primeiro a nos alertar sobre a nossa perda da sensibilidade, muitos outros o precederam. Outro autor importante que iluminou essa questão foi o escritor russo Fiódor Dostoiévski em seus vários romances, através de seus personagens complexos.

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Otimismo

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Imagem: Creative Commons

O otimismo é uma virtude! E digo isso porque tenho, desde que me lembro, uma tendência, digamos, natural à melancolia. Sendo assim, posso dizer que o otimismo é uma virtude que me falta, que se apresenta em mim de forma pouco contumaz e quase sempre bastante tímida. Como “bom” pessimista que sou, não me vejo tanto como tal e sim como realista. Todavia, ainda assim, confesso: o otimismo é algo que me faz falta.

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Qual é o sentido da vida?

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Imagem: Creative Commons

A questão que dá título a este texto é, sem dúvida, uma das mais antigas e profundas que fazemos. Essa questão aflora em nossas mentes sobretudo quando somos acometidos por injustiças e pela sensação de contingência que nos induzem à angústia. A verdade é que existem inúmeras respostas a essa questão: alguns acreditam que o sentido da vida esteja na fé em algo maior: Deus; outros acreditam que o sentido da vida está no respeito – ou no amor ao próximo, em linguagem cristã –; alguns acreditam no amor próprio e que o sentido da vida está dentro de nós, em ter algo no que acreditar e que cabe a cada um de nós encontrá-lo; há quem acredite que a vida vale por si mesma, de modo que seu sentido está apenas em viver; há quem acredite que a vida simplesmente não tem sentido, mas que mesmo assim continua vivendo; há quem chegue à conclusão de que a vida não tem sentido e prefere acabar com ela de uma vez… Uma coisa é certa: não faltam concepções sobre o sentido da vida. Se alguma delas está correta ou não é outra história.

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Autoajuda

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Imagem: Creative Commons

A humanidade é o animal da contranatureza e, como herdeira de Prometeu, tende a buscar mecanismos que a ajudem a se adaptar melhor à natureza. E, para nós, escassos de recursos físicos, adaptar-se à natureza é se afastar ao máximo dela. Nossa escassez de recursos nos inseriu em enorme desvantagem na luta pela sobrevivência em tempos primitivos. Para superar tamanha desvantagem física e não sucumbir, precisamos desenvolver o que tínhamos como diferencial: o intelecto, ou, em linguagem filosófica e mais abrangente, o logos. O logos, por sua vez, consiste em nossa grande vantagem em relação aos outros seres vivos existentes na natureza, mas, aparentemente e – sempre ela – contraditoriamente, essa mesma condição consiste em uma grande desvantagem.

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Todos os caminhos nos conduzem ao despedaçamento

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Imagem: Creative Commons

O título deste texto nos remete a um determinismo trágico e pessimista. Dizer que todos os caminhos nos conduzem ao mesmo destino é algo que soa bastante angustiante, afinal, isso significa que, independentemente do que façamos ou deixemos de fazer, seguimos todos em direção ao mesmo destino. Como se isso, por si só, já não fosse angustiante o suficiente, o destino em direção ao qual todos os caminhos nos conduzem intensifica ainda mais essa angústia. Sendo assim, não bastasse o título deste texto nos remeter à vanidade de nossas ações, ele ainda nos remete à tragédia e ao pessimismo ao dizer que o nosso destino é o despedaçamento.

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O Estado ideal

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Imagem: Creative Commons

Desde Platão, com sua República, a humanidade vem edificando teorias que lhe possibilitem a construção de Estados ideais. Mais de 2000 anos se passaram e ainda não alcançamos o ideal platônico. Mas, afinal, não era precisamente isso o que Platão dizia, que o ideal não é plenamente realizável no mundo físico, desejoso e portanto doente do corpo e que alcançá-lo só seria possível através do mundo puro das ideias? Afinal, isso não é uma obviedade?

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11.22.63

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© Hulu / Divulgação.

11.22.63 é o nome de um romance classificado como ficção científica e história alternativa do escritor americano Stephen King, publicado no ano de 2011 nos Estados Unidos pela editora Scribner – no Brasil o livro foi publicado em 2013 pela editora Suma de Letras com o nome de Novembro de 63. O aclamado produtor e diretor J.J. Abrams, renomado por produzir, entre outras, superproduções como Star Trek e Star Wars, ficou fascinado com a história ao ler a obra de King e teve a ideia de ambientá-la, e, como o próprio admite, logo se deu conta de que para fazê-lo não poderia reduzi-la a um filme, uma vez que tal empreitada condensaria muito a história. Devido a isso, J.J. Abrams propôs a Stephen King que adaptassem a história em uma minissérie composta por oito episódios, o que King acabou aceitando. Para protagonizar a história, decidiram convidar James Franco, que escrevera um artigo manifestando sua admiração pelo romance. Embora o livro tenha sido publicado em 2011, a série só foi lançada em 2016, quando foi exibida pelo site Hulu nos Estados Unidos.

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